sexta-feira, 15 de julho de 2011

Uma questão de humanidade

Estou completando nove meses de vida em Portugal, e talvez por isso algumas coisas novas estejam nascendo para mim.

Nas últimas semanas a palavra humanidade apareceu na minha cabeça e nas conversas que eu tive com muito mais intensidade do que costume.

Tudo começou com um trabalho escroto que eu peguei pra fazer. Sabe como é... nessa vida de imigrante a gente faz cada coisa para ganhar uns trocos, ainda mais na moeda que vale muito mais que a sua, ainda mais quando você é universitário fudido.

Pois bem... lá fui eu enfrentar algo que me definiram como um trabalho tranquilo. De fato, o trabalho era. Entretanto, nada tranquilo era lidar com a situação, com o contexto à volta. Ouvimos, eu e os demais envolvidos na presepada, coisas que me deixaram de queixo caído. A “patroa” logo no primeiro dia disse que não ia dar transporte para o pessoal ir trabalhar, que quem quisesse que pegasse um táxi. Como se não bastasse, ela completou: “vocês já me saem caro demais tendo que pagar o “ordenado” e ainda dar alimentação”. Quase vomitei de descrença no que aquele monstro trajado de mulher estava falando. Em um trabalho que consumia mais de 12 horas de cada funcionário envolvido, ela reclamava de fornecer comida para as pessoas, sendo que é esta a própria matéria-prima da empresa! Não dá para acreditar. Esse foi o primeiro momento que a palavra humanidade me veio à tona.

Depois dessa, cada vez mais o termo veio aparecendo em cena, algumas vezes na minha cabeça, nas minhas palavras e até mesmo conversando com terceiros, como com uma portuguesa que morou seis meses no Brasil e me garantiu: os portugueses não tem o senso de humanidade que o brasileiro tem.

Eu não tinha tido essa noção até então, mas de fato faz muito sentido. Tive essa certeza na mesma semana, no mesmo trabalho escroto (que eu insisti em continuar), na mesma empresa escrota e desumana. Uma pessoa se machucou durante o trabalho. Machucou-se por culpa de outra, sendo essa outra a “responsável mor” no momento. A tal vítima entrou em estado de choque pelo acidente (que não vem ao caso contar), já o (i)responsável mor (pelo acidente, pelo pessoal, pelo trabalho, pela empresa, e sei lá mais pelo quê) não moveu uma palha para ver o que tinha acontecido, simplesmente continuou a sua tarefa pensando apenas que ele tinha que terminar, para não levar esporro do patrão. Nesse momento tive a certeza que o sentimento de humanidade anda escasso por aqui. Em contrapartida, o individualismo transborda. O português, sem querer generalizar, sente-se cada vez mais a vontade em pensar só nele e no que atinge a ele.

Eu e a pessoa acidentada fomos embora... eu indignada (ou inconformada?!), ela em estado de choque. Por conta desse abandono prévio, tivemos um desconto no pagamento. Mais uma prova da falta da humanidade portuguesa. Se fosse no Brasil, a pessoa responsável pediria desculpas, se prontificaria a ajudar e arcaria com todas as responsabilidades do incidente, ainda mais sendo ela a responsável da empresa no momento. No Brasil, as leis trabalhistas gritam mais alto, as pessoas gritam mais alto, a tolerância à injustiça grita mais alto.

A diferença, infelizmente, é que no Brasil bate no coração dos brasileiros a humanidade, a esperança e o otimismo. O brasileiro, por mais humilde que seja, nasce com vontade de ser alguém, batalha por isso. Já em Portugal, o que bate mais forte no peito é o individualismo, o comodismo e a amargura de um país que tinha tudo para ser de primeiro mundo, mas está abaixo do nível da pobreza... de espírito.

Em todos os lugares há pessoas boas e ruins, eu sei muito bem disso. Mas sei também que aqui em Portugal está cada vez mais escasso o sentimento de otimismo e solidariedade nas pessoas, principalmente entre os mais jovens, que já crescem descrentes no futuro do país que vivem. A conseqüência disso, entre muitas outras, é a perda da humanidade de um povo que tinha tudo para ser “coração”.